Pra mim, a morte é uma coisa que ou te afasta ou te aproxima de Deus.
Ainda mais quando ela acontece ao seu redor. Não tem como se manter o mesmo, porque ela coloca em xeque muitas das nossas certezas — e vira a vida de ponta cabeça.
Os primeiros meses pra mim foram os mais difíceis.
Não que agora seja fácil. Ainda acontece: o telefone toca, ouço um barulho em casa, e por um segundo penso: "ele voltou".
Mas o primeiro e o segundo mês foram, sem dúvida, os mais cruéis.
Porque não é fácil aceitar perder quem se ama. E falando aqui só com o coração: não foi justo.
Não foi justo perder meu marido.
Não foi justo ver os pais dele se revoltarem contra mim por algo que não tive culpa, pedirem distância, quebra de contato.
Não foi justo quando decidiram que queriam tudo o que construímos juntos em 13 anos.
Não foi justo quando precisei me mudar às pressas, sem nada, só pra poder manter o que restou do nosso lar.
Não foi justo escutar palavras duras de pessoas que um dia chamei de família.
Não foi justo ser chamada de aproveitadora.
Não foi justo inventarem uma dívida absurda e se contentarem com o carro só pra, enfim, me deixar em paz.
Não foi justo não poder chorar no velório, porque eu “tinha que ser forte por eles” — (conselho bosta, diga-se de passagem).
Não foi justo não poder viver meu luto porque eu tinha que parecer bem, pra não preocupar os outros.
Não foi justo perder minha liberdade.
Não foi justo ver gente que eu amava se afastar abruptamente.
Não é justo não me lembrar de quase nada dos primeiros meses, porque precisei entrar no piloto automático — resolvendo inventário, papéis, burocracias — enquanto tudo que eu queria era deitar e chorar.
Não foi justo te perder. Não é justo viver tudo isso sem você pra me apoiar.
Em contrapartida...
A morte me afastou de Deus nos primeiros meses.
“Por que comigo?”
“Por que tão de repente?”
“Como uma pessoa entra andando na emergência por um desconforto e simplesmente não sai mais?”
Não foi justo comigo.
Mas nem tudo é sobre mim.
Aliás, talvez quase nada seja.
Hoje, olhando de outro ângulo, consigo aceitar um pouco mais.
Ele já não era o mesmo depois do infarto.
Seus olhos mostravam medo, seu silêncio carregava dor.
Dizia que não conseguia dormir, que tudo doía. Que não sabia mais o que fazer, porque até os remédios que controlavam a dor agora estavam proibidos.
E ele tinha muitas complicações.
Sempre que perguntava qual era seu sonho, a resposta era parecida:
“Não quero mais sentir dor. Não quero mais furar os dedos. Olha como estão pretos!
Não quero mais ter que me preocupar com o que posso ou não comer.”
E ele estava mesmo se esforçando.
Mas aí, do nada… ele se foi.
Eu me vi sozinha, revoltada com o mundo. Tudo era sobre mim.
E não é por maldade. O ser humano é egoísta por natureza.
Mas quando essa revolta passou…
Quando o egoísmo começou a se dissolver…
Percebi que minha única esperança era Deus.
Nas primeiras semanas, eu orava por um milagre, pedia pra tudo ser um pesadelo, implorava pra ele simplesmente entrar pela porta e dizer que estava tudo bem.
Hoje, minhas orações mudaram.
Peço pra que a gente possa se encontrar de novo.
Que exista mesmo uma ressurreição.
Pra que eu possa vê-lo, abraçá-lo e dizer o quanto ele fez falta.
Pra dizer que foi difícil, mas eu fiquei de pé.
Que eu vou criar nossa filha sozinha, mas que ela vai crescer sabendo o pai extraordinário que teve.
Que eu não desisti.
E que podemos seguir juntos — pela eternidade.
Esse foi o jeito que encontrei de continuar.
Porque se você tivesse uma única chance, não lutaria por ela?
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